Futebol, política e cachaça

terça-feira, 20 de maio de 2008

José Mojica Marins, o Zé do Caixão



Quando chegamos para a entrevista com José Mojica Marins, em seu estúdio no Centro de São Paulo, topamos com o cineasta no balcão de um bar ao lado do endereço que seu assessor (e também genro) havia nos passado. Identificados, ele logo explicou que um vazamento no prédio iria atrasar um pouco nossa conversa. A relação com algum indício de fenômeno sobrenatural foi logo aventada, mas preferimos a versão de que o edifício era bem antigo mesmo.


Já no estúdio, vemos rolos de filmes, cartazes e capas de revista onde o mais famoso personagem de Mojica, o Zé do Caixão, é a estrela principal. Alguns outros objetos soturnos também completavam o ambiente algo tenebroso, que contrastava com a simpatia e a acolhida do cineasta e das outras pessoas que trabalham no local.

Como parte do ritual de nossas entrevistas, oferecemos uma cachaça artesanal para o nosso entrevistado, uma Cachaça da Tulha. Mas fomos surpreendidos com a informação de que Zé do Caixão também emprestaria seu nome para uma aguardente. Aliás, para dois tipos da “marvada”. Logo, a mesa tinha mais duas garrafas da dita cuja, obrigando os entrevistadores a também degustar do produto que será lançado em breve no mercado.
Durante as quase duas horas de conversa, Mojica falou sobre seus filmes, em especial o que será lançado ainda este ano, Encarnação do Demônio, que encerra a trilogia iniciada com À meia-noite levarei tua alma e Esta noite encarnarei no teu cadáver. Encerra? Talvez não, segundo o que o próprio Mojica deixa escapar, revelando uma certa pressão para que Zé do Caixão (ou Coffin Joe para os fãs gringos) não pereça em sua eterna busca pela mulher perfeita.

Ele também falou sobre seu envolvimento com política, em especial quando foi candidato a deputado federal apoiando Jânio Quadros para governador. A propósito, dá sua versão para a renúncia do presidente: Jânio estaria sendo chantageado em função do rapto de sua filha. Já quando o assunto é futebol, Mojica lançou uma praga contra aqueles que desrespeitam o seu Corinthians.

Confira aqui a entrevista com o cineasta, regada a moderadas mas constantes doses de cachaça. Mas é bom se benzer antes, por via das dúvidas...


Os sobreviventes: Maurício Ayer, Anselmo Massad, Glauco Faria e
Nicolau Soares, autores da entrevistas. Ninguém quebrou sequer um
copo, atestando, até agora, que a praga do Zé do Caixão não procede.




Confira:
Parte 1 – A cachaça Zé do Caixão
Parte 2 – Cinema: do medo à Encarnação do Demônio
Parte 3 – Jânio Quadros, ditadura e shows de rock
Parte 4 – Censura, drogas e álcool
Parte 5 – Crítica, público e inspiração
Parte 6 – A obra-prima Finis Hominis e projetos futuros
Parte 7 – Futebol e Corinthians, com direito a praga



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Luiz Gonzaga Belluzzo

O economista Luiz Gonzaga Belluzzo é um caso raro de personalidade que merece respeito entre os dirigentes do futebol brasileiro. Diretor de Planejamento do Palmeiras, ele é um dos principais responsáveis pelo projeto de reestruturação do clube, que foi vilipendiado durante a dinastia Mustafá Contursi.


Ao lado de réplica de medalha do título da Copa Rio, de 1951, que o
Palmeiras defende ser um título de campeão do mundo


Sócio do Verdão desde a década de 50, Belluzzo foi um dos articuladores da parceria com a Parmalat, nos anos 90. No entanto, sua biografia também inclui participação em momentos importantes da história política recente do país. Ele é considerado um dos pais do Plano Cruzado, tendo ocupado o cargo de secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda entre 1985 e 1987. Ainda hoje, participa de reuniões consultivas com o presidente Lula e expoentes da área econômica do governo. Na ocasião desta entrevista, aliás, cinco dias antes havia participado de uma.

Na conversa cujos trechos publicamos abaixo, Belluzzo fala sobre sua maior paixão, o Palmeiras, mas também faz uma análise da crise econômica pela qual os EUA passam, destacando os possíveis efeitos que isso pode ter no Brasil. Confira:

Confira:
Parte 1 – Palmeirenses não gostam que eu diga, mas São Paulo é mais profissional
Parte 2 – Luxemburgo e Lula são gênios do povo brasileiro
Parte 3 – Marcos, a anticelebridade, e o dinheiro no futebol
Parte 4 – Na reunião com Lula, os desafios para o Brasil e para o mundo
Parte 5 – Novo Bretton Woods e a China


Na foto, os autores da entrevista ao lado de Belluzzo (à esquerda):
Maurício Ayer, Carolina Gutierrez, Marília Arantes, Glauco Faria,
Antonio Martins e Anselmo Massad. Sofia Dowbor também participou.


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Mojica: a cachaça Zé do Caixão

Mojica licenciou seu personagem mais célebre para uma marca de cachaça e estuda lançar até um vinho. Garante que em seus filmes não tem bebida cenográfica. "A gente já é ator por natureza, mas aí ao sentir o vinho de verdade, pô, você viaja no tempo e faz o personagem como tem que ser feito".




Futepoca/Diplô – Em geral, começamos a entrevista degustando uma cachaça. O senhor bebe, aceita?
José Mojica Marins –
Vou lançar a cachaça Zé do Caixão. Depois vem a cerveja, o vinho talvez. Vocês vão experimentar.

Futepoca/Diplô – O senhor já provou?
Mojica –
Já experimentei, aprovei, acho que tá legal. Vai ter cerveja, gim e a cachaça. Se não der certo, vamos produzir pelo menos a cachaça. Tive uma no passado que explodiu na praça. Só que os caras, depois que começou a entrar muita grana, fizeram uma cachaça vagabunda e eu mesmo brequei, não quis que saísse mais. No momento, todo mundo ficou doido, encomendaram caixas, milhares e milhares. Quando provei, falei: "Caceta! Vocês puseram álcool puro!". Aí eu cortei.

Futepoca/Diplô – Durou quanto tempo?
Mojica –
Três meses, porque quando saiu, esgotou. Aí os caras pediram a segunda remessa, quando falsificaram. Não deixei sair a terceira vez, fui à televisão, fiz questão de acabar com a firma. Por besteira, tinham tudo na mão, e fizeram uma bebida ruim, somente para ganhar um dinheiro a mais. Vi que não era a que o povo estava tomando. Para se ter uma idéia, saíram 3 mil garrafas no início e, na segunda remessa, passou para 30 mil.

Futepoca/Diplô – A nova não corre esse risco?
Mojica –
Essa nova é dentro desse padrão, então essa é boa. Ela pode sair normalmente, já autorizei. Deixa eles provarem as duas [o genro e assessor serve as doses]. Não adianta o cara querer falar de cachaça sem provar, tem que entender um pouco. Senão vou fazer a pergunta: "Por que não toma?" Tomar pela boca, né? Tem outras formas.

Futepoca/Diplô – A aprovação foi feita pessoalmente?
Mojica –
Eu aprovei. Tinham mandado outras, essa foi a escolhida. Eles trouxeram o rótulo para eu ver, achei legal, deve sair no fim deste mês ou no início do próximo. Aí entrou uma firma de vinho que é meu negócio mesmo, para fazer também com a marca do Zé do Caixão...

Futepoca/Diplô – Vinho tinto?
Mojica –
É, tinto acho mais legal. Comecei a minha vida de beber em A meia noite levarei sua alma em que tinha de tomar um vinho. Aí o diretor de fotografia, um puta amigo meu, trouxe um da Itália. Tomei o vinho, e queria tomar a toda hora (risos). Aí em Esta noite... também pus os barris.

Futepoca/Diplô – Então, quando tem vinho em cena nos seus filmes, é de verdade?
Mojica –
Não tem essa de corante, quero vinho mesmo e bebo. A gente já é ator por natureza, mas aí ao sentir o vinho de verdade, pô, você viaja no tempo e faz o personagem como tem que ser feito. Ele [Zé do Caixão] é um bêbado que se embebeda porque... Ah, o Zé é um cara muito... Mas finalmente vai nascer a criança que ele tanto espera. Então, ele se embebeda. Mas, como todo ser humano, quando vem o medo de morrer, o cara volta. Então, quando os caras pegam pra matar e ele sente que vai morrer, acaba a bebedeira. Mas é normal, com você, com você, com você, com você, se estiver bêbado e sentir que vai morrer, num instante, não sei para onde vai o álcool, ele some, se junta, não sei, você volta à realidade.
Eu era um cara que tinha muito medo de entrar em um avião. Tinha um amigo, Augustinho dos Santos, era em 1973, e eu tinha que ir para a França de avião. Mas havia uns compromissos, não pude ir, e pedi para ele me representar, em fotos e tudo. Só que o avião explodiu a um quilômetro da França.
Sempre tentei me embebedar dentro do avião. Para ir para a Espanha, tomei 52 garrafas de vinho em 12 ou 13 horas, para a baldeação rumo à França. Mandei pôr mais vinho, acabei com o estoque do avião. E não fiquei bêbado, não fico, porque tenho medo. Experimentem fazer isso com o que você mais tem medo. Tem medo de um cadáver em decomposição? Se embriague, e vá para um necrotério, peça para ver um cadáver. Quando você levanta a cabeça você está bem, vão pensar que é milagre, mas faz parte da gente. É tão forte o sentimento, que ele tira a bebida, que você fica bom.



Confira:
Parte 1 – A cachaça Zé do Caixão
Parte 2 – Cinema: do medo à Encarnação do Demônio
Parte 3 – Jânio Quadros, ditadura e shows de rock
Parte 4 – Censura, drogas e álcool
Parte 5 – Crítica, público e inspiração
Parte 6 – A obra-prima Finis Hominis e projetos futuros
Parte 7 – Futebol e Corinthians, com direito a praga

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Mojica – cinema: do medo à Encarnação do Demônio

Mojica descreve episódios que levaram "o homem mais covarde do mundo", como ele mesmo se define, para ser o rei do terror brasileiro. Esbarra em ufologia e diz que os ETs já estão entre nós.





Futepoca/Diplô – Sua carreira no cinema é toda em cima do medo. De onde surgiu isso?
Mojica –
Acho que fui o homem mais covarde do mundo, muito medroso. Aí, chegou uma hora que não tinha como fazer, estava noivo da mulher mais linda do Brasil. Pertencia à colônia espanhola, era capa de revista direto e, queira ou não, se apaixonou por mim e eu, por ela. Aí tive que raptá-la, mas de um jeito diferente, com apoio dos irmãos e da mãe. Raptei e a levei para a casa da própria mãe do meu sogro. Mandei uma carta dizendo que estava na Argentina, pedindo que autorizasse o casamento. Para não passar vergonha, ele autorizou.
Eu era muito medroso e me perguntava: "Como vou me casar e viver com uma mulher se só durmo com a luz acesa e tenho que escutar a voz do meu pai e da minha mãe?”. Puta que o pariu! Eu era considerado um cara violento demais na aparência, era ator, tinha 18 anos. "Como faço, se passo que sou de uma coragem fora de série, mas sou medroso." Aí, tomei coragem.
Cemitério da Consolação, 1956. Vou direto, assobiando Acorda, Maria Bonita, pulei o muro, fui perto de uma cova. Via sempre no cemitério aquelas coisas surgindo, diferentes, uma coloração verde, amarelo, vermelho, e não sabia o que era. Tinha de descobrir. Vinha assustado, junto com um amigo, e era o fogo-fátuo. Quando você morre, seu cadáver está em decomposição, sai aquela coisa estranha, colorida, muito bonita. Na época não consegui filmar, porque não tinha um negativo com sensibilidade que tinha essa resolução.
Hoje, você pode pegar um cemitério onde houve um massacre, e há muitos corpos [recém-enterrados] em decomposição, e você vai ver coisas sensacionais que nunca viu na vida. Parece fantasma verde, amarelo, azul. Pulei o muro do cemitério da Consolação e cheguei perto de um túmulo e vi um recém-falecido, mas não vi nada. Fui me afastando uns 30 metros, nascia aquela imagem verde e amarela, que era o fogo-fátuo. Quando cheguei perto, desapareceu. Aí falei: "Não existe a não ser na minha mente, isso tem uma explicação científica".
Desse dia em diante, eu pulava o muro, nunca mais teria medo de cemitério, de corpos em decomposição, enfim, perderia o medo completo. E aceitaria me casar, porque enfrentei e destruí meu próprio medo.
Isso é realmente o que aconselho às pessoas. Aquilo que elas têm medo, têm que enfrentar. Não tem que dar aqueles dois segundos e voltar para trás. Você vai em frente, enfrenta, e volta. Você é outro homem. Passei a ser um homem dono do medo, eu passo medo nos outros. Eu faço os outros sentirem medo, convivo com cadáver, com vermes. Vocês vão ver Encarnação do Demônio, que vai sair agora... Sempre disseram: "Não, você faz nos outros". Agora eu deito, e mando encher de aranhas, elas vêm nos meus olhos, já saiu o trailer. São muitas aranhas, cobras... "Pode pôr mais perto do rosto". Disseram: "Não, mas pode te acertar o olho". "Se me acertar é acidente de filmagem" (risos). Pus a cobra e ela dá picada perto dos meus olhos.







Eu era um homem que, só de falar em cobra, dava um pulo. Depois, passei a fazer nas pessoas, só que elas viram que eu já não tinha mais medo. Aí, topei no Encarnação fazer, para mostrar que não tenho medo. Afogo minha companheira onde ninguém – 70 técnicos – ficou, em três mil baratas. Pensei que só mulher tinha medo de barata, mas nenhum técnico chegou perto. Paulo Sacramento [produtor do filme] ficou no terceiro andar com uma vigia para ver se alguma barata ultrapassava a porta.

Foto: Divulgação
Futepoca/Diplô – Parece assustador...
Mojica –
A gente fez uma fita que, a cada dois minutos, vocês vão pular da cadeira. A última fita de Jece Valadão (foto), um homem que fez uma coisa que nenhum homem faz. Deu uma entrevista para todo o Brasil nos jornais, dizendo que, se acontecesse alguma coisa, não seria a maldição de Zé do Caixão. "Estou doente, vou fazer minha última fita, porque quero." Quis e mesmo no leito da morte ele disse "Você não tem culpa, eu entrei sabendo que iria morrer". Mas sensacionalismo não dá para afastar. Só que eu prometi que, se ele não terminasse as filmagens, iria tirá-lo da fita, mas não tirei. Consegui fazer ele aparecer até o fim do filme.
Mas deu tudo certo. Fiz o filme e acredito que cada pessoa que assistir vai ter pesadelo à noite. E a continuação vai sair. Está muito forte.

Futepoca/Diplô – Quando será lançado?
Mojica –
Não decidi se é para maio ou agosto. Para maio está pronto, mas agosto tem um dia muito legal: 8 do 8 de 2008. A gente está com esse problema das Olimpíadas concorrerem com a gente (risos). Acho que até o fim do mês eu decido se lanço antes ou depois. O certo seria em agosto.

Futepoca/Diplô – A maldição do Zé do Caixão é uma coisa que lhe incomoda?
Mojica –
Não, o Jece Valadão entrou falando que poderia morrer no meio da gravação e morreu. Mas não deixei de mostrá-lo na fita inteira, que não perde sua essência, que tem um dos maiores monstros do nosso cinema. Não tem nada com a maldição, são coincidências que, infelizmente, me perseguem. Como aquela coisa do Hitler: se você pegar uma mentira e repeti-la demais, ela deixa de ser mentira.
Pega uma mulher medrosa e fica repetindo: "Você tem coragem. Você tem coragem". Ela sai matando por aí. E o homem covarde como for, se repetir: "Você tem coragem", ele se torna, porra, um super-herói por aí e acaba acreditando. A mente capta. Isso é comprovado por pesquisas. Sou um homem que tem milhares e milhares de livros. Tudo o que é revista sobre fenômenos tenho em casa.
Não sabemos o que acontece depois da morte, é o maior enigma da humanidade. Haverá vida? Agora, que existe [vida] em outros planetas, com certeza. Seríamos muito egoístas se nós aqui, tão pequenininhos, poderíamos achar que somos os únicos. Acredito, inclusive, que extraterrestres já estão na terra há muito tempo preparando os nossos cérebros. Não acredito que a televisão, a fotografia, o computador, o cinema tenham sido feitos por seres humanos, mas por seres bilhões de anos à nossa frente. Os extraterrestres já estão entre nós. Não se manifestam porque muitos não estão preparados, vão dizer que é coisa do demônio... Mas eles vão aparecer, vão sair do armário. Quem sabe eu não estou falando com um aqui.




Confira:
Parte 1 – A cachaça Zé do Caixão
Parte 2 – Cinema: do medo à Encarnação do Demônio
Parte 3 – Jânio Quadros, ditadura e shows de rock
Parte 4 – Censura, drogas e álcool
Parte 5 – Crítica, público e inspiração
Parte 6 – A obra-prima Finis Hominis e projetos futuros
Parte 7 – Futebol e Corinthians, com direito a praga

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Mojica – Jânio Quadros, ditadura e shows de rock

A bomba: Jânio Quadros renunciou pressionado por militares. É a versão revelada por Mojica nesta entrevista. O cineasta fala ainda sobre sua relação com a ditadura militar. Ele explica ainda que só faz performances em shows de heavy metal porque tem fãs ali, mas não suporta o som dos metaleiros.


Futepoca/Diplô – Quanto à política, você foi candidato conduzido por Jânio Quadros...
Mojica –
Meu problema com o Jânio é que eu gostava da maneira de ele falar. Era uma maneira honesta. Não queria saber se estava ofendendo fulano ou não, falava o que sentia. Nem que ele tivesse de ser exilado como foi, tirado fora da presidência. Mas ele não sentiu mágoa.

Futepoca/Diplô – Quando ele renunciou...
Mojica –
Renuncia, à força. Ele foi pressionado. Estive com a filha dele, que aliás até me passou um roteiro que até hoje não fiz. A filha de Jânio estava em alto mar, se comunicando com ele. Ou ele renunciava, ou a matariam. Isso ninguém sabe. Matariam a filha dele. Teve de renunciar na marra. Porque mesmo com aquela história da vassoura, ele era humano como vocês e não queria que a filha morresse. A filha era muito patriota, achava que ele não tinha que renunciar, que ela tinha de morrer. Se fizerem a história do que ele me contou, real, é dramático o momento.

Futepoca/Diplô – Essa filha era a Dirce Tutu Quadros?
Mojica –
Eu acho que sim. Só que ele nunca quis colocá-la em risco, mas ela foi contra isso, achava que tinha de morrer e Jânio continuar presidente. Ele tinha idéias doidas, mas é aquilo que a gente chama de "idéias avançadas". Não se aceitava isso. Foi feita uma chantagem muito grande, ele teve de guardar segredo e morreu com ele. Contou para mim e poucas pessoas. Não sei se alguém vai se atrever a escrever um livro e enfrentar os militares.

Ditadura militar

Futepoca/Diplô – Como foi sua relação com a ditadura militar?
Mojica –
Fui preso, só que não saí do país.

Futepoca/Diplô – Você foi preso quatro vezes, não?
Mojica –
Várias. Mas não saí do país. Não sei se pelos filhos, se era para provar alguma coisa, mas aceitei o desafio... para ver o que acontecia. Fui muito brecado. Se não me brecam, o que o Silvio Santos tem na televisão eu teria no cinema. Derrubava Mazaroppi, derrubava tudo. Ficaria forte e até se eu quisesse montar uma televisão poderia.

Futepoca/Diplô – O senhor acredita que ainda é possível?
Mojica –
Acredito. Apesar da minha idade. Mas posso viver uns dez anos mais e conseguir muita coisa. Porque este ano é um ano meu. Não só pelo [programa no] Canal Brasil, que assinei o contrato, como pelo Encarnação..., que vai dar muito o que falar, e A Praga, com Wanda Cosmo, iniciado em 1981, terminado ano passado, que será lançado depois. Só acho que as pessoas podem confundir e achar que é continuação do Encarnação.... Mas vai ser lançado depois, quatro meses depois.
Já tenho uma proposta de começar no meio do ano O Devorador de Olhos pela própria Olhos de Cão, do Paulo Sacramento, o produtor que fez O Prisioneiro da Grade de Ferro, Amarelo Manga e outros. Um cara de prestígio. Este ano é o meu. Saindo Encarnação..., o Brasil pára. Nunca ninguém fez, sou o único a fazer o gênero. Mas esse está mais soft do que se pode pensar. Os americanos vão se prostrar. Tenho muitos fãs, muita força nos Estados Unidos. Basta dizer que, aqui, levei 50 anos para ter 50 capas de revista. Em Nova Iorque, em um mês tive 50 capas. Lá tenho fãs que não param de falar da minha obra e tem gente escrevendo minha biografia, deve sair este ano ou no início do próximo.

Futepoca/Diplô – O Tim Burton, o Quentin Tarantino admiram seu trabalho.
Mojica –
Admiram e copiam, o [White] Zoombie, um grupo que veio [ao Brasil], visitaram meu estúdio e fizeram uma fita baseada no Esta Noite [Encarnarei no teu Cadáver]. O Ramones, que se acabou, também. Tinha até há pouco tempo uma jaqueta deles que o João Gordo me cobra, mas de tanto pegar para mostrar, alguém sumiu com ela. Mas lá eu tenho uma força muito grande com os conjuntos de rock. Aqui nem se fala. Com os Titãs, Sepultura, Ratos de Porão. As bandas me chamam demais para comerciais e apresentações. Acho que estou com meu povo, com o pessoal que gosta de mim e também faço o que eu gosto.

Futepoca/Diplô – O que o senhor faz nos shows de rock?
Mojica –
Faço performances... Sou ator, amigo. Sou ator. Se me perguntar quais são minhas músicas que gosto mesmo, são Dalva de Oliveira, Nelson Gonçalves, Francisco Alves, Ângela Maria, Altemar Dutra... Ah, Elis Regina. Do rock é só o famoso que morreu sem eu poder fazer o “Trem das Sete”, o Raul Seixas. Sai daí, é tudo mentira. Ouço por ouvir. Fiz [uma lista com] as dez músicas mais. Nove foram dos anos 60 e 70. A única que aprovei no ano passado foi a história do Mamute, uma comedinha que realmente gostei. Gosto de música de natal...

Futepoca/Diplô – Mas nas trilhas sonoras o senhor trabalha com músicas bastante variadas. Às vezes, há cenas de muita tensão e ao fundo se escuta “Raindrops keep falling on my head”. Como é trabalhar com a trilha sonora, em que uma cena de violência aparece com música de natal?
Mojica –
Acho que tem muito do ser humano. Numa cena de sexo no Despertar da Besta, toco "Ciranda, cirandinha, vamos todos cirandar...". Com isso mostro uma falsidade que há nas pessoas. Será que a criança está pensando no "Cirandinha-cirandar" ou ela está já com segundos propósitos? Hoje, uma menina de 11 anos, você começa a falar de coisinha assim ela vira e fala: "Você é antiquado". Estamos em outro mundo. O Despertar foi um filme que, praticamente, vim para o futuro mostrar que essas músicas natalinas, de criança, já diziam algo mais. Já fizeram várias versões com tudo o que é palavrão nessas músicas. Mas fiz, porque iríamos chegar nesta época.
Por isso pensei que, lá fora, não iriam entender, são músicas brasileiras, mas entenderam.

Futepoca/Diplô – No Despertar tem a música de A Ponte do Rio Kuwai...
Mojica –
É uma gozação que funciona muito. Gosto de satirizar. Em Encarnação acho que não vou poder fazer isso, fizemos uma trilha de outras fitas, porque vai no sentido de continuação e fim de uma trilogia. Então, não dá para satirizar.




Confira:
Parte 1 – A cachaça Zé do Caixão
Parte 2 – Cinema: do medo à Encarnação do Demônio
Parte 3 – Jânio Quadros, ditadura e shows de rock
Parte 4 – Censura, drogas e álcool
Parte 5 – Crítica, público e inspiração
Parte 6 – A obra-prima Finis Hominis e projetos futuros
Parte 7 – Futebol e Corinthians, com direito a praga

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Mojica – Censura, drogas e álcool

A visão peculiar de Mojica sobre as drogas e a receita para chegar "firme", aos 72 anos.



Foto: Boca do lixo
Futepoca/Diplô – O Despertar da Besta ficou proibido por quanto tempo?
Mojica –
Por 20 anos, nunca chegou a ser exibido comercialmente. Só passou em festival e em DVD agora, em cinema ainda não. Ainda vou lançar. Quem sabe depois que sair o Encarnação, todo mundo vai querer ver. É uma fita diferente, completamente de protesto.

Futepoca/Diplô – O que pegou mais com a censura? O LSD ou as taras?
Mojica –
Foram as primeiras palavras. "Meu mundo é estranho. É composto de pessoas estranhas. Mas não mais estranhas do que você.” Todas as madames dos generais assistiram e gostaram, mas eles não.

Futepoca/Diplô – As esposas dos generais gostaram?
Mojica –
Foi. Eles passavam em sessões fechadas da censura para os generais, que levavam as esposas.


No trono, pesquisa sobre drogas

Futepoca/Diplô – É verdade que era para o Jô Soares fazer um papel no filme?
Mojica –
É. Ele foi viajar, mas não pude esperar. Peguei um policial parecido com o Jô, um cara que veio me prender e virou um puta ator meu. Pra essa cena, quando tinha os outros atores, não tinha ele e vice-versa. Aí, perdi a paciência.

Futepoca/Diplô – O policial queria te prender por quê?
Mojica –
A gente estava gravando o Despertar... e eu tinha que fazer uma cena que envolvia drogas e tinha um cara que trazia maconha. Nem sabia direito o que era. Aí, o policial passou a ser assessor meu para dizer o que era cocaína, maconha, porque não sabia de porcaria nenhuma.

Futepoca/Diplô – No Despertar, a posição defendida é que a droga não é um mal em si...
Mojica –
Não, o mal é o que está na sua cabeça. O problema da droga, que descobri através de um cara fantástico, é uma coisa: seu pau vai para cucúia. Se você vai ter problema com 40, vai [antecipar] para 20 [anos de uso]. Se abusar um pouco mais, vai ter com dez ou com cinco.

Futepoca/Diplô – Álcool também?
Mojica –
Não, álcool não brocha. Mas droga, o cara brocha mesmo. E a mulher perde a capacidade de ter filhos... Sobre isso fiz pesquisa mesmo. Não adianta dizer que tá assim, porque brocha rápido. Olha, tô com 72 anos e tô firme ainda. Com a droga, fica firme, mas chega um tempo em que não sobe mais. A bebida não, bebe quanto você quiser que não afeta.



Confira:
Parte 1 – A cachaça Zé do Caixão
Parte 2 – Cinema: do medo à Encarnação do Demônio
Parte 3 – Jânio Quadros, ditadura e shows de rock
Parte 4 – Censura, drogas e álcool
Parte 5 – Crítica, público e inspiração
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Mojica – Crítica, público e inspiração

"E o vento levou..., ninguém conseguiu fazer outro [igual]", revela Mojica. Além da preferência difícil de imaginar, ele ensina os cineastas a fazer filmes que o público goste. "O povo quer ver imagem. E mulher é a atração do cinema."


Futepoca/Diplô – Como você via o fato de conviver com muitos cineastas? A crítica não gostava dos seus filmes, mas os cineastas elogiavam.
Mojica –
Glauber Rocha, Sganzerla, Anselmo Duarte. A crítica tem preconceito, são frustrados, fizeram fitas, mas está engavetado e nunca vai sair. O Glauber Rocha chegou a me pedir para dar aula para o pessoal dele sobre como fazer a fita ser comercial. Falei pra eles: "Vocês fazem filme para vocês?" O público paga para ver o visual bonito. O povo quer ver imagem. E mulher é a atração do cinema.


















Em seu apartamento,
Mojica exibe o caixão
que serve para guardar
o traje do Zé do Caixão.




Futepoca/Diplô – Mojica, nos seus filmes há uma fixação sua com a psiquiatria.
Mojica –
Não acredito em nada disso, nunca conseguiram nada comigo. Uma vez, puseram em manchete de jornal: "Zé do Caixão é louco, está fugindo de ser estudado". Era em Campinas. Os psiquiatras queriam ver se eu era louco. Eu tinha programa em televisão. Chego em Campinas, cheguei na faculdade de Psiquiatria e disse: "Vim aqui ser estudado". Perguntaram quem eu era. "José Mojica Marins, Zé do Caixão."
Apareceu lá um professor, que me chamou de canto e explicou. Não achava que eu fosse louco nem nada, mas precisava da minha ajuda. A mulher dele era apaixonada pelo Zé do Caixão. "Quando começa seu programa, ela pára, não quer mais saber de nada comigo, e só diz: ‘este homem...'" Aceitei ajudá-lo e pedi para passar a noite na casa do casal. Quando chegou a hora do programa, não deu outra. Ela se tornava uma mulher diferente. "Dá licença, dá licença." Ligava a televisão. Aí eu disse: "Nesse dia, eu estava com uma dor de barriga danada, tive que parar o programa não sei quantas vezes". E ela: "O Zé do Caixão tem dor de barriga?".
Na outra cena, disse que tinha repetido três vezes, na outra que tinha escorregado num sabonete que tinham deixado no chão e me machuquei todo. "O Zé do Caixão se machuca?" "Ô, tô todo esfolado aqui, filha. Eu é que faço isso aí." Fui falando até ela ver o mito se desmanchar. Na quarta-feira seguinte, o professor me telefonou e disse que ela não queria mais ver o programa, tinha voltado a ser a mulher de antes e agora era novamente marido ideal.

Futepoca/Diplô – Mas isso é praticamente o enredo do Delírios de um Anormal, só que no filme o casal se dá mal, porque Zé do Caixão existe de verdade.
Mojica –
Baseei-me nesse fato, pedi autorização para ele para filmar. Mas a verdade é que acrescentei isso, porque tenho um público e não podia fazer o Zé se dar mal. Tinha que valorizar o personagem.

Futepoca/Diplô – Qual diretor de cinema o senhor admira?
Mojica –
Em visual, o [Steven] Spielberg. Quem conseguiu um terror legal que marcou o coração de todo mundo foi Roman Polanski, o Bebê de Rosemary, e nunca mais chegou perto. Tentou três ou quatro vezes e nunca achou mais. Foi na sorte.

Futepoca/Diplô – E O Iluminado?
Mojica –
É médio.

Foto: Divulgação
Futepoca/Diplô – Quais são os filmes mais marcantes?
Mojica –
E o vento levou..., ninguém conseguiu fazer outro.



Confira:
Parte 1 – A cachaça Zé do Caixão
Parte 2 – Cinema: do medo à Encarnação do Demônio
Parte 3 – Jânio Quadros, ditadura e shows de rock
Parte 4 – Censura, drogas e álcool
Parte 5 – Crítica, público e inspiração
Parte 6 – A obra-prima Finis Hominis e projetos futuros
Parte 7 – Futebol e Corinthians, com direito a praga

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Mojica: a obra-prima “Finis Hominis” e projetos futuros

Aos 72 anos, Mojica explica sua preferência pelo personagem Finis Hominis, que dá nome ao filme que ele considera a ápice de sua filmografia. Ao mesmo tempo, já adianta o que pode ser o próximo projeto: um encontro sinistro entre os dois personagens loucos criados pelo cineasta.




Unhas aparadas e anel em destaque

Futepoca/Diplô – Qual o senhor considera sua obra prima, seu melhor filme?
Mojica –
Finis Hominis. Um filme lançado trinta e tantos anos antes do seu tempo. Ficou duas semanas em cartaz, que achei até muito, e eu dizia que a fita estava muito avançada. Hoje é a época das igrejas. Mostrava as igrejas tomando conta do Brasil, mas estava adiantado. O bispo iria tomar conta do Brasil. E tomou. Só não consegui fazer uma fita que lutei, lutei para fazer, não deu. Mas se fizesse, estaria como um herói. Chama-se Ereto, o Crente. Um roteiro que escrevi há 25 anos, tentei patrocínio, na raça, mas não consegui. O Crente era exatamente o que eu achava que aconteceria depois do ano 2000, "está preso em nome de Deus. Pega a virgem, gira o rabinho, joga... Tá amarrado". Que merda, não existe porra nenhuma. As minhas esposas mais legais do mundo se tornaram crentes e eu tive de me separar. Olha só.

Futepoca/Diplô – O personagem principal do Finis Hominis é mais nocivo do que o Zé do Caixão?
Mojica –
Segundo Glauber [Rocha], eu deveria unir Zé do Caixão e Finis Hominis. Porque Zé do Caixão é um louco consciente. Finis é um louco inconsciente. São dois loucos de jeitos diferentes. Juntando os dois, tenho um roteiro, deve dar uma loucura total. Se conseguir, através do Encarnação..., verba suficiente, eu faço.

Futepoca/Diplô – Tem muitos projetos?
Mojica –
Sim, muitos. Mas gostaria de fazer realmente a continuação do Finis se encontrando com o Zé do Caixão. Acho que estaria apropriado para a época. Total. Para 2009 ou 2010, é o filme ideal. O encontro.

Futepoca/Diplô – Um dos projetos atuais é o do Canal Brasil, um programa de entrevistas. A pauta é realmente toda voltada a questões místicas?
Mojica –
Não, faço uma entrevista normal com gente como Lobão, Supla, uma porrada de caras famosos. E tem reportagens à vontade. Na Galeria do Rock, na escola de detetive. Fizemos coisas estranhas, a comemoração dos chineses no novo ano. Nossa, o que tem de reportagem diferente... E vamos partir para mais. Tem o fundo do caixão, com coisas do passado, cartas para eu dar explicação. Vem as pragas, que não deixa de ser uma coisa à parte que todo mundo gosta. E as reportagens doidas que a gente vai acompanhando. Acho que o programa vai ser uma opção para sair das coisas tradicionais, das reportagens normais e dos filmes. Você vai ter uma opção diferente, de algo que condiz com você.

Futepoca/Diplô – O senhor já teve outros programas em outros momentos. Esse está mais com a sua cara?
Mojica –
Está mais com a minha cara. Tive uma liberdade para expor e foi aceito. Tenho carta branca como tive na Encarnação.... Pensei que fosse ficar preso, mas tive carta branca. Tive programas como o Show do Outro Mundo, em que realmente não podia me abrir... Acho que o único que tive aberto foi em 1967, Além, muito além do além, na Bandeirantes. Mas incomodou muita gente e eu saí do ar.

Futepoca/Diplô – Quem se sentiu incomodado?
Mojica –
Eu diria o governo, as religiões. Tive contra mim tudo que era seita. Hoje, se tiver que enfrentar alguém, vai ser o bispo [Edir] Macedo. Vou lutar para ter uma entrevista com o bispo Macedo. Se ele não tiver medo de nada, ele vai. E se tiver medo, é porque é falso demais. Ele foi um cara contemplado pela sorte, um jogador de loteria esportiva. Eu não me dei conta, não me tornei pastor no passado, senão passava ele para trás. Como tenho o centro da concentração mental, me fecharam, a polícia me fechou. Se eu pudesse montar a igreja que ele monta, teria muitos seguidores.

Futepoca/Diplô – Uma última pergunta...
Mojica –
A pinga é a Zé do Caixão, vem aí, com paladar ótimo, todo mundo tomou, ninguém ficou bêbado, ficaram inspirados. Inspiração é uma coisa, bêbado é outra.



Confira:
Parte 1 – A cachaça Zé do Caixão
Parte 2 – Cinema: do medo à Encarnação do Demônio
Parte 3 – Jânio Quadros, ditadura e shows de rock
Parte 4 – Censura, drogas e álcool
Parte 5 – Crítica, público e inspiração
Parte 6 – A obra-prima Finis Hominis e projetos futuros
Parte 7 – Futebol e Corinthians, com direito a praga

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Mojica – Futebol e Corinthians, com direito a praga

Mesmo na segunda divisão do campeonato nacional, Mojica explica sua paixão pelo Corinthians. E dispara uma praga contra os anti-corintianos.


Futepoca/Diplô – A última pergunta é sobre seu time, o Corinthians.
Mojica –
Ô! Trouxe um barco, encomendei um barco deste tamanho [afasta as mãos em um metro], o cara vai levar quatro semanas, vai me trazer semana que vem. Vai me fazer o Titanic em madeira (risos), tudo com coisa do Corinthians. É o maior time do mundo, a maior torcida. Que medo estão da segunda divisão? O público é grande, a gente aceita. Houve problemas? Houve. Os palmeirenses não, caíram e falaram: "ah, vou mudar de time". O corintiano não, ele morre corintiano, é fiel.





















Ah, meu Corinthians...





Futepoca/Diplô – É uma praga do Zé do Caixão contra os adversários?
Mojica –
Já fiz praga minha contra as pessoas que não sabem encontrar o time certo. Nosso time veio do nada, que fizeram realmente um time de várzea, que veio lutando. Não foi um time como o São Paulo, o Palmeiras, aquela grana danada. Ele veio se formando e conseguiu uma fiel, fiel torcida mesmo, que acompanha os momentos históricos no alto e no baixo.

Futepoca/Diplô – Então a gente pode gravar uma praga do Zé do Caixão?
Mojica – Vamos lá. [O vídeo da praga você confere abaixo]



Se o vídeo não abrir a Praga de Zé do Caixão contra os anti-corintianos, clique aqui.



Confira:
Parte 1 – A cachaça Zé do Caixão
Parte 2 – Cinema: do medo à Encarnação do Demônio
Parte 3 – Jânio Quadros, ditadura e shows de rock
Parte 4 – Censura, drogas e álcool
Parte 5 – Crítica, público e inspiração
Parte 6 – A obra-prima Finis Hominis e projetos futuros
Parte 7 – Futebol e Corinthians, com direito a praga

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quinta-feira, 15 de maio de 2008

Belluzzo – Palmeirenses não gostam que eu diga, mas São Paulo é mais profissional

Parte 1 da entrevista com Luiz Gonzaga Belluzzo, economista e diretor de Planejamento do Palmeiras.





Futepoca/Diplô – Como o senhor vê a questão do fluxo de jogadores do Brasil para a Europa?
Luiz Gonzaga Belluzzo – A diferença de poder econômico entre os clubes daqui e os de lá é muito grande. O futebol faz parte da cultura do país e merecia ser tratado de uma outra forma, inclusive com participação mais ativa do Estado. Aliás, em uma reunião com o presidente Lula, sugeri uma fórmula para fortalecer os clubes financeiramente. Pelo campeonato brasileiro, por exemplo, os clubes receberiam, além dos direitos de transmissão, em torno de R$ 200 milhões no total, outras duas cotas de patrocínio. Uma poderia ser da Petrobras e outra do Banco do Brasil, cada uma com R$ 200 milhões também. Seria uma forma de deixar os clubes em condições de segurar um pouco mais seus jogadores. Mas o presidente fez que não era com ele...


Há outros problemas. Aqui, as emissoras de televisão escondem o patrocínio, cortam o boné quando entrevistam os jogadores. Falei outro dia com o diretor comercial da Fiat que me disse: “Poxa, mas nós gastamos R$ 100 milhões por ano na Globo”. O que acontece: o clube, que precisa do patrocínio na camisa para sobreviver minimamente, e o patrocinador encontram resistência por parte da empresa que transmite os jogos. Não há uma discussão racional, não tenho o hábito de desconhecer os interesses particulares dos intervenientes nesse jogo. Mas acho que não é interesse a longo prazo da Globo, como uma empresa que transmite e ganha dinheiro com o futebol, porque o que ela ganha com o futebol não é apenas com o anúncio durante os jogos, mas com toda a grade de programação que gira em torno do futebol. Eles sempre reclamam que os clubes não tratam dessa questão profissionalmente, o que é verdade, mas também fala de profissionalismo de um ponto míope, estreito, porque poderia ganhar muito mais com o futebol se tivesse uma relação mais ampla com os clubes, se ela abrisse mais o leque da negociação.
Nessa última negociação, tanto o representante do Corinthians, Luis Paulo [Rosemberg], quanto eu, propusemos uma empresa internacional que negociou os direitos da Liga Inglesa para negociar profissionalmente os direitos de televisão e que levaria uma comissão por isso. A proposta foi recebida com tal hostilidade pelo Clube dos Treze, especialmente da parte do Eurico Miranda, que disse que eu queria levar 10% da negociação e que a empresa era minha. Respondi: bem que gostaria de ter uma empresa que fizesse isso, mas não tenho. Esse é o problema, há uma promiscuidade entre o negociador da Globo e os negociadores do Clube dos Treze, é muito ruim quando eles trocam de posição e um passa a representar o outro. E se estabelece uma negociação desequilibrada.

Futepoca/Diplô – Isso impediu a Record de transmitir o campeonato brasileiro. A Record não entrou por quê?
Belluzzo –
Porque o direito de preferência dá a ela uma desvantagem enorme.

Futepoca/Diplô – O senhor defende o direito de preferência?
Belluzzo –
Sou contra.

Futepoca/Diplô – O Fábio Koff é a favor.
Belluzzo –
Sim, é a favor.

Futepoca/Diplô – O senhor é contra essa fórmula de negociação...
Belluzzo –
Por isso estávamos defendendo uma empresa contratada pelo Clube dos Treze, que fizesse a negociação profissionalmente, porque não existe isso no Clube dos Treze.

Futepoca/Diplô – O senhor vê algum clube brasileiro que tenha uma gestão do futebol profissional melhor, acima da média?
Belluzzo –
O clube que conheço que tem uma gestão um pouco melhor é o São Paulo. Indiscutivelmente. É o time que está mais profissionalizado, tem uma estrutura administrativa muito distinta e à frente dos outros. Os palmeirenses não gostam que eu fale isso, mas sou obrigado a falar porque é verdade (risos).

Futepoca/Diplô – Por que isso ocorre?
Belluzzo –
O São Paulo tem uma oposição muito atuante, mas que é capaz de dar continuidade à administração anterior. Tem uma tradição de administrações bem sucedidas e procurou sempre ter uma assessoria muito bem qualificada, tanto de marketing, quanto de planejamento. O esquema que o São Paulo tem de comprar e vender jogadores, nenhum clube tem, o Palmeiras não tem ainda, começa a ter. O São Paulo tem como meta disputar a Libertadores, por quê? Porque ele quer ganhar, mas também porque dá dinheiro. Se você chega até a final, você termina o ano com a burra cheia.
O centro de treinamento deles em Cotia é espetacular, é o que queremos fazer com o Palmeiras em Guarulhos, o Palmeiras tem uma área lá. Além de uma comissão técnica e de auxiliares muito boa. Milton Cruz, por exemplo, observa jogadores. Quem se lembrava do Miranda? Ele foi lá e indicou. É algo profissional que eles criaram lá dentro e funciona muito bem.

Futepoca/Diplô – Mal comparando, o São Paulo instituiu uma “política de Estado” enquanto os outros fazem “políticas de governo”?
Belluzzo –
Perfeitamente, para entrar na questão política. É isso mesmo. O jogador é contratado pela política anterior e é mal visto pela atual diretoria, em outros lugares. Isso não é amadorismo, é uma coisa estúpida. No São Paulo, tem continuidade. O clube já começa a contratar um jogador antes de vender outro, porque já sabe que vai vender. Agora, eles deram uma bobeada, desmontaram o time. Estou fazendo uma observação técnica. Como diz o Roque Citadini, tenho mania de ser técnico de futebol (risos). Eles venderam o Souza e o Leandro, dois jogadores que davam liga, e agora estão jogando desconjuntados. Mas sempre fizeram isso, nunca fizeram co-gestão com ninguém, mas sempre estão disputando campeonatos.



Confira:
Parte 1 – Palmeirenses não gostam que eu diga, mas São Paulo é mais profissional
Parte 2 – Luxemburgo e Lula são gênios do povo brasileiro
Parte 3 – Marcos, a anticelebridade, e o dinheiro no futebol
Parte 4 – Na reunião com Lula, os desafios para o Brasil e para o mundo
Parte 5 – Novo Bretton Woods e a China

...leia a continuação do texto

Belluzzo – Luxemburgo e Lula são gênios do povo brasileiro

Parte 2 da entrevista com Luiz Gonzaga Belluzzo, economista e diretor de Planejamento do Palmeiras.




Futepoca/Diplô – Mas o Luxemburgo não é o contrário disso tudo, por ser muito centralizador?
Belluzzo –
É uma ilusão achar que o Luxemburgo é assim. Nós conversamos com ele sobre eventualidades... digo “nós”, quero dizer diretoria de futebol, porque não costumo me meter no futebol. Como sou muito fanático, é melhor não (risos). Porque senão vou ficar dando palpite errado, porque o torcedor não raciocina.
Nós sabemos que vamos ter que vender jogador, mas trabalhamos para substituir esse atleta. Deixa explicar a experiência do Luxemburgo. Foi técnico do Bragantino, campeão em 90, depois foi para a Ponte Preta e ficou trinta dias, indo embora. O Palmeiras começou a montar aquele time de 93.

Futepoca/Diplô – Com o Otacílio Gonçalves.
Belluzzo –
Isso, uma vez o presidente do Guarani comentou: “vocês estão dando um boeing pra um piloto de teco-teco”. Uma maldade, o Otacílio era uma ótima pessoa. Daí fomos atrás do Luxemburgo, uma pessoa esperta que, aliás, tem uma inteligência acima da média, como treinador de campo, a capacidade de ver o jogo, de mudar o jogo, não tem coisa igual. Ele é tão bom que até o Mustafá [Contursi] reconhece isso. Porque o Mustafá não gosta de treinador nem de jogador de futebol, poderia ser presidente de clube de carteado ou de críquete.
O Luxemburgo é muito bom avaliador de jogadores. Quanto ele trouxe o Léo Lima, foi um verdadeiro escândalo. Mas ele tem essa coisa, pode ter muitos defeitos, como todos nós, mas dá oportunidade pro sujeito que está fracassando. E, pra mim, o Léo Lima foi o melhor jogador na partida contra o São Paulo, jogou demais. Hoje em dia, o treinador tem muito peso. Ele não é só o Luxemburgo, tem alguém que filma pra ele e quando vai jogar com o São Paulo sabe como o time vai jogar. Tem um preparador físico e um fisioterapeuta que são de primeira linha. O Élder Granja jogava uma partida no Inter e se machucava, agora joga todos os jogos. Ele ajudou muito, e o Leão também, o centro de treinamento do Palmeiras era uma verdadeira sucata. E tivemos como planejamento fazer um centro de recuperação igual ao do São Paulo, e hoje é melhor que o do São Paulo. A infra-estrutura do futebol ninguém vê, vê quando o time entra em campo. Veja hoje, o gerente de futebol é o Toninho, um sujeito esclarecidíssimo, que estudou administração do esporte, não é um curioso. É muito ponderado, tirando o dia em que ele chutou a porta do vestiário do juiz, mas esse é o lado torcedor (risos). E se integrou muito bem com o Luxemburgo.
Digo que o Luxemburgo vale o que recebe, porque o conjunto dos jogadores passa a valer mais com ele, e isso é bom pro clube.

Futepoca/Diplô – Mas como incorporar isso ao clube? Porque ele é ele...
Belluzzo –
Mantivemos a comissão técnica do Palmeiras pra trabalhar com ele, para que eles aprendam o que tem de melhor em matéria de comissão técnica no Brasil. Mantivemos os fisioterapeutas, os médicos e isso aumentou a folha. Mas é um custo que vale a pena pagar. O Lulinha, filho do Lula, foi para o Palmeiras porque ele quer ser técnico de futebol e quer trabalhar com o Luxemburgo, aprender como ele trabalha. Há muita parolagem e mistificação sobre o Luxemburgo. Ele é privilegiado, como é o Felipão. O Felipão não é melhor que o Luxemburgo, mas é um paizão, faz o atleta jogar pra ele. Já o Luxemburgo é um cara que chega no vestiário, o time está perdendo e grita: “Seus m..., vocês não estão jogando nada”. Vocês viram o que ele fez com o Léo Lima outro dia? Inventou de fazer um passe de trivela e escutou “Vai tomar no c...”. Mas é assim que funciona no mundo da bola. Depois que terminou o jogo, acabou.
Qual era o problema do Caio Júnior? Era uma ótima pessoa, uma flor, casaria minha filha com ele, já almocei várias vezes com ele. Mas ele não dava pro jogador a impressão de que queria ganhar o jogo. Intelectual não dá pra ser treinador de futebol, o cara fica em dúvida. O outro está deprimido, tem que chegar e dizer: “tem que jogar”.
Joguei muito futebol e sei como é, você tem que mandar, puxar o cara pra jogar. O cara que está meio medroso, tem que falar: “ô, seu merda!”. O Luxemburgo conhece a psicologia do atleta, que de vez em quando desiste. É muito freqüente o breakdown psicológico. Às vezes o jogador perde um gol, perde dois, perde três, começa a achar que a coisa não vai. Tem que ter um sujeito que incentive, é assim esporte de alto rendimento.
Digo que o Brasil produziu algumas figuras excepcionais. Um na política, você pode até discordar dele, mas o Lula é um fenômeno do povo brasileiro, veio lá de Garanhuns e virou presidente do Brasil. E ele aprende qualquer coisa, é capaz de falar pra você o que você acabou de explicar melhor do que você falou. E o Luxemburgo é outro gênio do povo brasileiro. São dois projetos, duas personalidades, que tem essa coisa da intuição. O Luxemburgo fez curso de treinador? Nunca fez, agora tem um curso para treinador.
Por que, em geral, os técnicos não foram bons jogadores de futebol? Com exceção do Muricy, que foi bom jogador e é um excelente técnico. O que era o Luxemburgo? Um lateral esquerdo muito mequetrefe, mas é um cara que tem o dom da observação. Pede pro Pelé falar sobre tática de futebol. Só fala bobagem, não dá uma dentro. Compreender o jogo e jogar bem é para poucos, mas o Luxemburgo, se não fosse um bom técnico, ninguém lembraria que jogou no Flamengo, no Internacional. Foi reserva do Júnior que, ao contrário, era craque e não deu certo como técnico. Quem foi bom jogador e é bom comentarista é o Müller.

Futepoca/Diplô – Mas não se compara com a inteligência dele dentro do gramado...
Belluzzo –
Ele tinha uma inteligência espacial fantástica. O Pelé tinha uma inteligência dentro do campo anormal. Hoje, tem um jogador no Brasil que tem uma inteligência muito grande, não estou dizendo que ele é o Pelé, mas possui a intuição da jogada antes do outro, que é o Valdivia. O pênalti do Júnior nele é típico de quem vê o jogo antes [no jogo contra o São Paulo, na primeira fase do Paulista, vencido pelo Palmeiras por 4x0]. Ele é um raio, um jogador muito engraçado. Acho uma pena se um dia ele sair do Palmeiras, mas é uma figura muito engraçada, não sei se os adversários acham isso (risos).

Futepoca/Diplô – Quando o Palmeiras ficou fora da Libertadores, ele chorou...
Belluzzo –
É uma criança, tem reações de criança. Ele se identificou com o clube.



Confira:
Parte 1 – Palmeirenses não gostam que eu diga, mas São Paulo é mais profissional
Parte 2 – Luxemburgo e Lula são gênios do povo brasileiro
Parte 3 – Marcos, a anticelebridade, e o dinheiro no futebol
Parte 4 – Na reunião com Lula, os desafios para o Brasil e para o mundo
Parte 5 – Novo Bretton Woods e a China

...leia a continuação do texto

Belluzzo – Marcos, a anticelebridade, e o dinheiro no futebol

Parte 3 da entrevista com Luiz Gonzaga Belluzzo, economista e diretor de Planejamento do Palmeiras.

Futepoca/Diplô – E hoje tem essa coisa de chamar os jogadores de mercenários, que eles não se emocionam...
Belluzzo –
Os jogadores são mais profissionais, mas eles têm que dar tudo pelo time. Esse negócio do Denílson, que disse que não comemoraria gol contra o São Paulo... Tem que comemorar! O jogador é pago inclusive pra isso, pra comemorar o gol, porque faz parte da relação dele com a torcida e o futebol é feito para a torcida, para o público. O Valdivia é outra coisa, tem uma relação com o clube que é do temperamento dele.
Assim como o Marcão. Você não vai encontrar outro jogador como o Marcão.
Não tem igual, o Marcão podia ir pro Arsenal, ganhar uma nota preta, mas não quis. Porque ele gosta de Oriente, não quer ir embora, está bem no Palmeiras. Nunca se irrita, é incapaz de fazer uma maldade, até fiquei espantado dele ter ameaçado de dar um pontapé naquele cara. É incapaz de fazer mal a uma mosca, está sempre de bom humor.
Tem uma história do Marcão que é inédita, quem contou foi o [Antonio Carlos] Pracidelli. Na final da Copa do Mundo, os organizadores liberaram o campo para que os goleiros pudessem se aquecer, entraram o Marcos e o Pracidelli, e o Oliver Khan e o Sepp Meyer. O Pracidelli falou: “Olha lá, Marcão, está lá o Khan, maior goleiro da Europa, e o Sepp Meyer, que foi um dos maiores goleiros de lá”. E o Marcão: “Pô, vamos lá pedir um autógrafo pra eles” (risos). Isso é o Marcão.
Mas ele é assim. Fui entregar o título de sócio remido pro Ademir da Guia, que não falava também, e hoje está mais escolado, é vereador e tal; e pro Oberdan, uma figura estranhíssima, meu ídolo quando criança. O Marcão falou assim: “não pede pra eu falar nada, eu não sei falar”. É a maior celebridade anticelebridade que conheço.


Belluzzo degusta a cachaça Vale Verde,
oferecida ao entrevistado pelo Futepoca


Futepoca/Diplô – Nesse lance mesmo que o senhor citou, ele toma um chute no estômago e até comentaram que ele poderia ter caído, rolado, mas não cai, ele não faz esse tipo de coisa.
Belluzzo –
Mas ele sofreu tanta contusão que ele pensou “mais uma”...

Futepoca/Diplô – Foi a primeira vez que vi ele se proteger em um lance desses...
Belluzzo –
Da última vez que ele se machucou, caiu sem levantar o joelho, vieram e deram uma pancada nele.

Futepoca/Diplô – Por que não podemos descartar a possibilidade do Valdivia ir pra Rússia, por exemplo? Um país com menos futebol que o Brasil, menos audiência, eles conseguiram superar os clubes brasileiros?
Belluzzo –
Ali é a máfia, se você tirar a máfia... É o problema do economista que foi chamado para resolver o problema de uma carga que não podia ser retirada por um guindaste. Chamaram um engenheiro que disse que precisava de um guindaste duas vezes mais potente, mas não podia entrar no poço. Daí chamaram o economista, que falou “Bom, abstraindo o peso da carga...” (risos). Assim, se você tirar a máfia russa...

Futepoca/Diplô – Mas há também outros lugares, como a Turquia, que não tem a mesma tradição do Brasil.
Belluzzo –
A diferença é o fato de estarem na Europa e poderem pagar, por exemplo, € 6 milhões pra um contrato de dois anos pro Alex. O Palmeiras tentou trazer o Alex, ele queria vir. Mas, o Alex é o maior ídolo do futebol turco, e é a primeira vez que eles passam pra uma quarta-de-final da Liga dos Campeões. É o jogador mais inteligente do mundo, em matéria de inteligência futebolística, de percepção de jogo, pra enfiar bolas, não se compara com ninguém. É um jogador atípico, parece que está desinteressado, mas decide o jogo em uma jogada. Imagina, se coloca o Alex com o Luxemburgo, nem vou assistir jogo no Parque Antarctica, só vou quando for pra entregar a taça. Além do quê é um excelente caráter, muito identificado com o clube, mas não dá pra pagar isso em um contrato de dois anos.



Confira:
Parte 1 – Palmeirenses não gostam que eu diga, mas São Paulo é mais profissional
Parte 2 – Luxemburgo e Lula são gênios do povo brasileiro
Parte 3 – Marcos, a anticelebridade, e o dinheiro no futebol
Parte 4 – Na reunião com Lula, os desafios para o Brasil e para o mundo
Parte 5 – Novo Bretton Woods e a China

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Belluzzo – Na reunião com Lula, os desafios para o Brasil e para o mundo

Parte 4 da entrevista com Luiz Gonzaga Belluzzo, economista e diretor de Planejamento do Palmeiras.

Futepoca/Diplô – Passando agora para as questões políticas, o que o senhor falou na reunião com o Lula?
Belluzzo –
Não foi só eu, foi uma conversa de avaliação da situação. Na conversa que tivemos, ficou dito que o Brasil hoje tem uma posição bem melhor. Não invulnerável como algumas pessoas acham, mas muito favorável. Nossas crises sempre sobrevieram como crises cambiais determinadas por crises de balanço de pagamento. Crises típicas de países periféricos que se endividam na euforia e depois se estrepa na reversão. O Brasil construiu uma situação anômala se você comparar no século XX, isso se deve, e o presidente Lula fala, a um pouco sorte e a uma boa dose de prudência. Qual foi a sorte?
Nunca houve um ciclo tão exuberante de commodities, do ponto de vista da generalização do aumento de preços delas. Isso, pro bem e pro mal. Nos deram reservas de US$ 197 bilhões, mas não podemos esquecer que temos um passivo externo líquido de US$ 400 bilhões, com uma composição não muito brilhante, porque uma boa parte é aplicação de renda fixa em bolsa e se muda o sinal do câmbio vai embora.
O que precisa ter claro é que, como dizia o filósofo do século XIX, “tudo que é sólido, desmancha no ar”, nossa situação é muito favorável, mas não podemos nos deixar surpreender por uma mudança na conjuntura internacional cuja intensidade não sabemos qual vai ser e nem os canais pelos quais ela vai se manifestar.
Há várias hipóteses. Uma, de que haverá uma recessão muito forte nos EUA, porque essa crise não tem paralelo, já que é muito profunda e generalizada. Envolveu não somente os bancos americanos como também os bancos franceses, alemães, também alguns japoneses que se envolveram na história do subprime. A recessão vai afetar a China, que tem uma dependência muito razoável das importações americanas, e isso vai rebater na demanda chinesa de commodities. O Brasil cresceu a 5,4% mas agora já está crescendo a 6%, com uma expansão do crédito espetacular, sobretudo crédito ao consumo. Também pelo investimento, mas que na prática reagiu a essa expansão do consumo, além do PAC que estimula a economia. A continuar essa situação em que o câmbio se valoriza, o Brasil cresce mais do que a média mundial e mantém-se o ritmo de aumento das importações face às exportações, o superávit comercial fecha, e vai dar problemas de transações correntes. A conta turismo é altamente negativa para nós, o mesmo vale para a conta de investimentos. Se fechar o superávit comercial, é um sinal péssimo, que vai inevitavelmente levar a uma desvalorização cambial.
A desvalorização cambial é desejável porque melhora a competitividade das exportações, torna as importações mais caras, mas também tem impactos negativos na inflação. O câmbio faz duas coisas: retira a rentabilidade do exportador de commodities e amortece a inflação, quando ele se valoriza. Em geral, as desvalorizações cambiais, quando abruptas, foram muito danosas, causam impacto inflacionário, mudam expectativas, o Banco Central puxa a taxa de juros pra cima para segurar a inflação. Isso desmonta a economia, é um clássico.
Quando dei a entrevista à revista Fórum, falei que o problema não era o nível do câmbio, mas em relação à inflação o problema era a flutuação. Se você permite um choque cambial, ele na verdade joga os preços das commodities, dos alimentos, pra cima, o que afeta o índice de preços de uma forma desagradável. Esses foram alguns aspectos que discutimos na reunião. “Nós”, porque havia mais gente...



Futepoca/Diplô – O Delfim Netto...
Belluzzo –
O Delfim, o [Guido] Mantega, o [Henrique] Meirelles, o Luciano [Coutinho] não foi, porque estava em uma palestra... A Dilma [Rousseff], que em geral vai, não foi porque tinha outro compromisso. Chegamos à conclusão de que a situação é boa, mas não vamos nos iludir. Precisamos fazer ajustes com calma, o mercado está muito sensível. Como no futebol, quando a coisa está boa, comemoram até gol contra. O Fed [Banco central dos EUA] baixou 0,75%. Isso não quer dizer nada pro tamanho da crise.



Agenda para os Estados Unidos

Futepoca/Diplô – O Fed está tomando várias medidas, corte na taxa de juros, ajuste fiscal... Isso é inócuo?
Belluzzo –
É. Qual é a estimativa razoável de prejuízos que serão revelados ao longo do tempo por causa do subprime? É da ordem de US$ 4 trilhões. Qual a discussão hoje nos EUA? Além de fazer essas intervenções, o banco central americano deveria comprar diretamente alguns papéis, que não têm preço porque estão muito desvalorizados. A segunda medida, principal, trata de reestruturar a dívida das famílias americanas, até porque são dívidas contraídas em condições de informação bastante assimétricas, para usar uma expressão que os economistas gostam, ou seja, o sujeito que estava tomando a dívida não era informado exatamente daquilo que estaria enfrentando depois de dois anos. Emprestaram com juros módicos que seriam reajustados dois anos depois, e isso começou a ser feito em 2004 e 2005. Quando chegou em 2007, a renda e o emprego nos EUA não melhoraram muito, o emprego na manufatura caiu e eram créditos ninja, porque a avaliação de risco era inexistente. Por que era inexistente? Porque o banco sabia que aquilo não ia ficar na carteira dele, ia passar pro SIV [fundos de títulos de dívida de bancos, no caso, de alto risco], uma criatura dos bancos, shadow banks. Nesse SIV, em geral, eles pegavam uma importância de US$ 100 milhões, com créditos bons e ruins, empacotavam e vendiam como um CDO [colateral debt obligation], que representava uma parcela dos empréstimos hipotecários que foram pegos da carteira dos bancos. Quem dava valor pra esse negócio? As agências de avaliação de risco, Moodys, Standard and Poors etc. O sujeito dava a qualificação AAA e uma seguradora de crédito assegurava o pagamento integral do principal e dos juros daquele investidor. Mas também ficava encrencado.
Essa cadeia começou a entrar em colapso, inclusive pra seguradora. As agências de risco estavam querendo tirar o AAA das seguradoras, e começaram a aparecer algumas carteiras podres. Quando tem uma crise desse tipo, o banco não financia sua posição em ativos ou se seu CDO começa a cair, tem que fazer uma chamada de imagem, colocar uma garantia de que vai pagar o empréstimo que feito pra sustentar a posição no CDO. Como ele paga uma chamada de imagem? Ou pega do capital próprio – se estiver muito alavancado [apostando além de sua capacidade] não dá – ou vai ao banco que empresta pra ele pagar. O que faz o Fed? Melhora as condições em que ele empresta as reservas pro sistema bancário, então os bancos ficam entupidos de liquidez. Eles recuperam suas reservas mas não emprestam pra ninguém, nem entre eles. O [mercado] interbancário não funciona. Quando chega no final do dia, tem um banco que está devedor e outro que está credor e,
em situação normal, eles trocam reservas. Agora, você não sabe como está o vizinho, se está podre ou não. Se isso não funciona, o sistema não roda. Só o [Milton] Friedman achava que funcionava, os quantitativistas, uns imbecis totais.
O dinheiro é uma relação de propriedade. Ele só é emitido no capitalismo se o banco alavanca e empresta o múltiplo daquilo para que as famílias possam se endividar. A moeda de crédito é inerente ao capitalismo, o cara só compra um bem de capital ou um ativo qualquer se você acha que vai ficar ilíquido diante de um ativo que vai te render ao longo do tempo, senão você não vai arriscar sua liquidez, vai ficar travado. Os EUA estão travados.

Futepoca/Diplô – O senhor está sugerindo que sejam facilitadas as condições das famílias?
Belluzzo –
Estou, tem que limpar isso. Na Crise de 29, o endividamento total das famílias era de 40% do PIB. Hoje é mais de 100%. Uma diferença fantástica, o nível de endividamento é fantástico. Por que hoje eles se endividaram? Como as casas estavam se valorizando, usavam a casa como garantia pra fazer um empréstimo, por exemplo, pra comprar um automóvel. A casa se valorizava mais e faziam outro empréstimo em cima do valor da casa. Quando começou a capotar, o que aconteceu? O patrimônio líquido da família fica muito menor do que as suas dívidas. O que o banco faz? Vai lá e pega a casa. Mas o que fazer com aquela casa? Se for vender, deprime ainda mais o preço porque o estoque de casas no mercado é muito grande.
Esse é um problema de inadimplência, não de liquidez. Como são 14 milhões de contratos de devedores, uma parte substancial não vai ser honrada e você tem que fazer como o Getúlio fez em 29, moratória [em 1931]. Isso é doído pra eles [estadunidenses]. Eles pensam “como fazer isso e quebrar os contratos”? Tem que deixar o mercado funcionar. Mas se deixar funcionar, ele vai jogar o preço das casas lá embaixo. O governo tem que entrar, reestruturar as dívidas e comprar os papéis que estão podres. Tem um artigo do [Paul] Krugman muito interessante em que um corretor sustenta que comprar os papéis, tudo bem, porque depois o preço recupera e o governo pode vender com alguma vantagem. Já perdoar os devedores... Estou repetindo o que o Krugman escreveu com grande irritação.
A coisa é muito clara: vai ter que ter uma operação de salvamento, com uma intervenção do Estado brutal, só comparável ao New Deal. O controle do Fed sobre os bancos vai ter que ser rigoroso.

Futepoca/Diplô – Essa crise, que é uma crise do capitalismo financeiro, pode recuperar o papel do Estado?
Belluzzo –
Não sei dizer. Mas acho que o projeto neoliberal está em uma situação muito difícil. A renda subiu pouco, a desigualdade aumentou, e agora vai tirar a casa dos caras que sonharam com a casa própria? Dando dinheiro pros bancos? Vai ter que explicar isso. Os EUA tiveram um movimento populista forte no início do século XX, mesmo no New Deal, o debate político tinha na verdade duas forças contrárias a Roosevelt, a esquerda mais ortodoxa e o movimento fascista. Não que os dois estivessem propondo as mesmas soluções, mas ambos estavam dizendo: o capitalismo não funciona. Roosevelt navegou contra isso e ainda teve que enfrentar os conservadores americanos.
A retórica dos candidatos democratas começou morna, mas está começando a esquentar. O pau vai quebrar. Não adianta dar dinheiro pros bancos se o banco central não tirar da recessão. Estamos vivendo um divisor de águas. Isso não vai se resolver com as medidas econômicas, mas com as eleições e como você trata esse contingente americano que acha um fracasso das políticas do Bush e isso não muda de repente, a base conservadora é muito forte.

Futepoca/Diplô – É uma oportunidade de rediscutir a arquitetura financeira internacional?
Belluzzo –
E existe ainda o problema do dólar como moeda reserva, que é mais grave. Há uma certa ilusão, principalmente no empresariado americano, mas também no brasileiro, de que o Fed conserta tudo e em dois anos tudo volta a ser como antes. Isso é impossível porque essa crise decorre também do desequilíbrio global, do arranjo internacional que foi feito a partir dos anos 80. O que foi esse arranjo? A empresa americana, assim como a japonesa, sai, vai para um lugar de menor custo relativo, como é o caso da China. E os EUA hoje não conseguem conter o déficit comercial deles, porque deslocaram a produção manufatureira para a Ásia, não apenas para a China, mas também para a Tailândia, Coréia, Japão, um cluster manufatureiro enorme e que justifica em boa medida o fato dos EUA terem crescido sem inflação e com uma taxa de juros baixa. Sem inflação, porque a taxa de exploração do operário chinês é alta, e com o abastecimento de liquidez quando a economia está crescendo por conta do financiamento do déficit externo americano, os chineses têm 1 trilhão e 400 bilhões de reservas, se somar as reservas de todos os emergentes, inclusive o Brasil, existem 4 trilhões aproximadamente. Isso é um estoque que vai ser administrado como? À medida que o dólar desvaloriza, seu estoque vale menos, então há um movimento natural de diversificar as reservas.
Mas o ponto crucial é o seguinte: por que está em risco o sistema monetário internacional? O ouro está US$ 1 mil a onça, quando [Richard] Nixon desvinculou o valor dólar do ouro, isso estava em U$ 35. A inflação americana não foi tão grande que possa justificar essa disparidade. Isso é um sinal de crise do sistema monetário internacional, porque você não tem um ativo de reserva, na verdade, o ativo de reserva último é o título da dívida pública americana. Há uma confusão porque o ativo de reserva não se sabe bem qual o destino dele, por isso diversificam, hoje existe uma grande demanda de ouro, de metais.

Futepoca/Diplô – Quanto às medidas tomadas no Brasil, falou-se de um conflito entre o Banco Central e a equipe econômica...
Belluzzo –
Esse conflito é permanente. O BC fez a ata assustado com a alta dos alimentos e com o crescimento da economia, mas usar os juros é como apertar o botão de uma bomba de nêutrons. O que aconteceu com o crédito? As taxas são muito altas, mas os prazos se alongaram. Se as taxas de juros sobem, prejudica a rolagem da dívida pública e também o aumento dos investimentos, que estão sendo retomados agora com certa solidez e é importante para aumentar a capacidade de produção em um ritmo suficiente para se atender à demanda.

Futepoca/Diplô – Mas parece que essa solução do aumento de juros na história econômica recente do Brasil é algo rotineiro.
Belluzzo –
Isso nem sempre foi assim, porque se usavam outros instrumentos, como os chineses usam, quantitativos, aumento de compulsório, conteúdo quantitativo de crédito... Mas isso virou anátema porque, com a desregulamentação, os bancos centrais foram capturados pelos mercados financeiros e fazem o jogo deles. A história do [Alan] Greenspan é clássica. Ele poderia ter tentado interromper essa marcha da insensatez que foram os créditos hipotecários nos EUA? Poderia. Muitos economistas alertaram, mas ele baixou os juros para absorver a crise anterior da bolsa e não tomou nenhuma providência. Ele escreveu um artigo que é uma peça de cinismo, dizendo que, de fato, os modelos que trabalham com ciclos de crédito não prevêem que em determinados momentos o preço dos ativos não é correlacionado. É possível que na expansão não estejam mesmo, mas quando há uma crise de liquidez, quando um cai o preço de um, cai o preço de outro. Até o meu cachorro sabia disso e ele diz que não sabia. Tinha tentado impedir isso. Mas o peso político de Wall Street é desproporcional no banco central americano.

Futepoca/Diplô – Mas no Brasil, é possível solucionar isso sem aumentar os juros?
Belluzzo –
Se você conseguir tomar medidas preventivas, impedir que se feche o balanço de pagamentos, que o câmbio se valorize ainda mais... Qual foi a discussão do Plano Cruzado? Deixa que os pobres estão consumindo. Estavam e era muito bom, mas o gestor da política econômica tem que moderar esse consumo para que ele seja compatível com a manutenção do superávit. Acho difícil, é uma divergência que tenho com a [Maria da] Conceição [Tavares], que acha que os preços das commodities não vão cair, mas se a crise for forte, vai cair. Ela acha que os investimentos estão atrasados, principalmente no setor metálico, que não existe resposta rápida na agricultura etc. Há ao mesmo tempo explosão de novos empreendimentos agrícolas, mas, mais que isso, com a crise dos subprimes, os headhunters correram pras commodities, o aumento de preço é porque eles estão especulando com elas. Se a crise se agravar, isso não se sustenta. A crise de 29 foi assim. Deu problema mesmo quando bateu nas commodities e os preço caíram violentamente, todos os empréstimos feitos para os países que produziam... os bancos quebraram em 33. O último refúgio dos canalhas hoje são as commodities. Os headhunters estão vendo se arranjam algum para compensar as perdas dos subprimes.
Os americanos vão fazer o que for possível para sair dessa crise, eles são pragmáticos.



Confira:
Parte 1 – Palmeirenses não gostam que eu diga, mas São Paulo é mais profissional
Parte 2 – Luxemburgo e Lula são gênios do povo brasileiro
Parte 3 – Marcos, a anticelebridade, e o dinheiro no futebol
Parte 4 – Na reunião com Lula, os desafios para o Brasil e para o mundo
Parte 5 – Novo Bretton Woods e a China

...leia a continuação do texto

Belluzzo – Novo Bretton Woods e a China

Parte 5 da entrevista com Luiz Gonzaga Belluzzo, economista e diretor de Planejamento do Palmeiras.

Futepoca/Diplô – Haveria clima para propor um novo Bretton Woods?
Belluzzo –
Muitos acham isso porque o sistema financeiro logo não vai funcionar mais. Poderia ser um sistema plurimonetário administrado centralmente baseado no euro, no iene e no dólar. Teria que volta para um sistema de mais estabilidade, com mecanismo de financiamento de pronto, não-privado. O que pensava o Keynes: o sistema privado de financiamento de balança de pagamentos não funciona porque ele funciona ao reverso, quando o país está bem, eles entram, quando está mal, eles saem. É necessário um sistema que funcione contraciclicamente, esta era a idéia dele de Bretton Woods, que não conseguiu implementar porque os EUA estavam com a faca e o queijo. Mas agora os EUA estariam interessados em fazer isso.

Futepoca/Diplô – Isso reposicionaria os Estados Unidos no tabuleiro global. Belluzzo – Ele já está reposicionado, como a Inglaterra depois da primeira guerra mundial. Há uma crise estrutural do capitalismo americano, os interesses da economia americana não coincidem com o das suas empresas, com o das finanças. Será preciso negociar isso. Os EUA poderiam retornar a produção manufatureira para os EUA? O que vai ser construído depende do resultado das eleições de lá, da retomada do papel dos EUA. O Brasil e a Rússia são potências energéticas e alimentares, a China, a Ásia, são um cluster manufatureiro, um protagonista indiscutível. Vai levar tempo para reestruturar o sistema, no entanto, os EUA não têm a hegemonia faz tempo, pelo menos não no conceito gramsciano, que supõe a concordância do hegemonizado. Eles não vão virar um país de segunda classe, mas vai ser necessário renegociar vários termos.
A reforma é complicada, vai ser necessário fazer uma conta de substituição como foi proposta em 1979. O que é a conta de substituição? Emitir uma moeda fundada em uma cesta de moedas. Pode-se utilizar essas moedas acumuladas em reservas e ir emitindo progressivamente em cima disso um novo ativo internacional. Teremos que reinterpretar toda a história econômica a partir desse episódio. Os EUA, ao recusar essa proposta, fortaleceram a supremacia do dólar, mas criaram as condições que levaram à crise atual e hoje vamos verificar esses efeitos. E aquele era o momento em que a China começava a fazer suas reformas, e só fomos falar de China nos anos 90.
Eu estava lá e me lembro do Alexandre Kafta, representante do Brasil, é um conservador mas ficou muito meu amigo. Ele disse: os americanos vão nos quebrar. E quebraram. Belgrado, 1979 [assembléia anual do Fundo Monetário Internacional e do Banco Mundial, em outubro]. Os europeus propuseram a conta de substituição. Os americanos se retiraram da reunião, quando estávamos no aeroporto, abrimos o Financial Times e vimos que eles aumentaram os juros. Quebraram o México, o Brasil e o resto do mundo. Japoneses e coreanos se lavaram porque venderam pra eles, que começaram a fazer um déficit comercial grande. Em 1984 começaram a recuperar a economia americana porque baixaram a taxa e deixaram o dólar se valorizar até o [acordo do] Louvre em 1987. Fizeram outra reunião, começaram a desvalorização progressiva, forçaram a abertura financeira do Japão e da Coréia, e quebraram o Japão. A valorização do iene quebrou as indústrias japonesas que não tinham mais como exportar para os EUA, eles abriram a economia japonesa, teve a crise da bolsa em 87 e a economia japonesa era muito controlada. Quando os chineses mantêm sua economia sob controle, eles lembram do Japão, da Endaka. Os japoneses ficaram dez anos em recessão. Isso tudo tem a ver com a reunião de Belgrado, a última vez que Tito apareceu em público.

Futepoca/Diplô – Então o senhor está dizendo que os EUA não percebiam o movimento chinês?
Belluzzo –
O que os chineses fizeram foi liberar a agricultura, cedendo espaço para que as famílias que ocupavam terras do Estado passassem também a produzir uma parte para o mercado, abriram as vendas para a exportação em lugares adequados, mas na verdade o que ajudou muito a China, no meu ponto de vista, foi a crise japonesa. As empresas começaram a sair de lá e passaram a olhar para a China. Lembro até, voltando ao futebol, que a Parmalat em 97 resolveu abrir a Parmalat chinesa porque estava claro que a China era um mercado que interessava. O governo americano encara a China como um país comunista que foi reintegrado no mercado internacional pelo Nixon, mas eles não perceberam que houve um movimento espontâneo das empresas deles com vistas à China. Os chineses são muito pragmáticos, têm pouca aderência à coisa doutrinária. Mas o controle é do Estado chinês, é um projeto nacional que supõe tomar o mercado alheio.

Futepoca/Diplô – Uma vocação imperialista?
Belluzzo –
Nunca tiveram. Ao contrário, a China é conhecida por defender suas próprias fronteiras. No século XV retrocederam porque sofreram invasões de todos os lados. O pessoal da Unicamp foi pra China. Num restaurante, estava o Peixe, que era um diretor da Faccamp, descendente de árabe, e o Alonso, que é muito gozador, disse para a garçonete “olha, esse aqui é árabe, tem quatro mulheres, e veio aqui ver se arrebanha uma chinesa”. Ela ficou indignada, disse que não o serviria, falou que o presidente Mao Tsé-Tung tinha libertado as mulheres chinesas... Depois que o Alonso quis explicar que era brincadeira... foi complicado. O que era a China antes dele? A submissão da mulher, casamento... Mao modernizou a China. Foi ruim, porque matou gente, mas também foi um avanço social grande em relação ao que existia.

Futepoca/Diplô – Voltando à crise, ela pode ser uma volta das crises de produção que o crédito mascarou por muito tempo?
Belluzzo –
A economia é monetária, cuja forma de criação da moeda é através do crédito. O que difere os economistas neoclássicos do Marx e do Keynes é que estes compreenderam que o capitalismo é uma economia monetária. Não há o lado real e o lado monetário, o valor se exprime na forma monetária. Por isso o Marx ficava nervoso quando alguém queria fazer que a moeda correspondesse exatamente ao valor de trabalho socialmente necessário. São formas de existência da riqueza, uma coisa é o trabalho que é fonte do valor, que não pode se exprimir diretamente na mercadoria sob esta forma. A mercadoria só pode existir em relação às demais, e só pode ser exprimida por meio do dinheiro. Ela exprime seu valor na outra. O dinheiro tem um papel fundamental. Ele dizia que nessa economia você acumula riqueza abstrata, não real. A acumulação de riqueza abstrata e a de riqueza real às vezes têm dissonância. É uma crise de produção? É uma crise de produção porque é uma crise monetária. E vice-versa. Se você seguisse o pressuposto da economia neoclássica, não existiria essa possibilidade, a crise só existe porque na busca de acumulação de riqueza abstrata ultrapassa-se o limite daquilo que é tolerável.

Futepoca/Diplô – Só faltou a avaliação da cachaça Vale Verde...
Belluzzo –
Excelente, tanto é que não fiquei bêbado (risos). Ou fiquei e vocês não perceberam...



Confira:
Parte 1 – Palmeirenses não gostam que eu diga, mas São Paulo é mais profissional
Parte 2 – Luxemburgo e Lula são gênios do povo brasileiro
Parte 3 – Marcos, a anticelebridade, e o dinheiro no futebol
Parte 4 – Na reunião com Lula, os desafios para o Brasil e para o mundo
Parte 5 – Novo Bretton Woods e a China

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